quinta-feira, 12 de março de 2015

Capítulo 1: Início de Uma Busca Sem Fim

   História da Física

Jair Lucinda

                                          “Imagens” dos Sons
   No início, os seres humanos inventaram a fala. Aprenderam a modular a respiração e a usar diferentes modulações do som para designar objetos materiais e abstrações.   A capacidade de comunicação oral é uma distinção fundamental entre os seres humanos e todos os outros animais.
   Todos os seres humanos mentalmente normais aprendem a se comunicarem oralmente quando ainda são crianças, exceto aqueles que por algum motivo não conseguem modular o som e se comunicam usando a linguagem de sinais. Há grupos que usam linguagens extremamente complexas e sofisticadas, mas não há exceção, a comunicação oral é um atributo universal dos seres humanos.
                                          Codificação da fala
   Depois surgiu a invenção que é uma das mais simples dentre as tecnologias criadas pela humanidade. Mas foi a invenção que provocou as maiores transformações na vida das pessoas. Esta invenção é a palavra escrita, isto é, a codificação da fala.

Placa suméria de 2350 a.C. 
   Inicialmente, a escrita suméria utilizava figuras simplificadas que representavam objetos e ações. A mudança revolucionária ocorreu quando as figuras desenhadas passaram a representar sons, isto é, “imagens” dos sons. Com o passar do tempo, as figuras simplificadas, gravadas em tabletes de barro pelos primeiros escribas sumérios, tornaram-se caracteres estilizados.
   Assim, os sons modulados foram codificados e agora podiam ser vistos pelos olhos e transformados em sons no cérebro. Portanto, o livro é um dispositivo que contem o que podemos chamar de “fala armazenada” que é decodificada pelo cérebro do leitor.
  A linguagem é um atributo universal da humanidade, e a maior parte das informações chega até nós através da fala e sua forma armazenada (manuscrita, impressa ou em arquivos eletrônicos) do que sob a forma de imagens.
   No início, era possível codificar apenas algumas palavras em um tablet (pequenas placas de argila). Mas agora é possível transportar uma biblioteca inteira em um tablet eletrônico que cabe no bolso.
                         Alterando a Fisionomia do Planeta
   Os descendentes de agricultores da idade da pedra, que viviam na região que mais tarde os gregos chamaram de Mesopotâmia, “entre rios”, participaram do fato mais importante da história da humanidade. Situada no coração do Oriente Médio, mais de 900 quilômetros a leste do mar Mediterrâneo. Há, aproximadamente, 9 mil anos, esta região exibia uma paisagem pardacenta em uma planície que parecia inaproveitável.
   Esse povo que vivia às margens dos pântanos, na região entre os rios Tigre e Eufrates (Fig. ao lado), veio a ser conhecido como sumério, e a sua terra, como Suméria. Os sumérios foram capazes de registrar a própria história, porque eles inventaram a palavra escrita.
   Por volta do ano 3.000 a.C., as plantações de cereais se espalhavam pela planície outrora quase desértica e magníficas cidades erguiam-se às margens desses dois rios. Os artesãos produziam
reluzentes jóias, objetos de cerâmicas e outras mercadorias. As ruas das cidades eram movimentadas e havia muitas pessoas nos mercados.
   Assim, a partir das aparentes desvantagens dessa região, os sumérios desencadearam um movimento que alteraria para sempre a fisionomia do planeta Terra. Depois de aproximadamente três séculos, o exemplo dos sumérios germinou como uma semente, pois outras civilizações floresceram nas margens de alguns grandes rios na superfície do planeta: no vale do rio Indo que fica na região do atual Paquistão; o rio Amarelo que flui através da China; e, finalmente, o rio Nilo que irrigou, ao longo de suas margens, o surgimento da civilização no Egito.
   Grandes culturas prosperaram em outras regiões do planeta, mas foi a Suméria que lançou a humanidade nessa fantástica aventura chamada civilização. Assim, as realizações dos sumérios ficaram registradas para sempre na consciência humana.
                                      O Desabrochar Helênico
   Até o século VI a.C., o surgimento das grandes civilizações foi, sem dúvida, o fato mais importante da história da humanidade. No entanto, logo após o início do século VI a.C., aconteceu o que os historiadores chamam de febre jônica ou desabrochar helênico. A grande revolução do pensamento humano que começou nas cidades-estado da Jônia, na costa oriental do mar Egeu (em grego: Αιγαίο Πέλαγος, que se pronuncia Eiêo Pélaghos). O Egeu é um mar interior da bacia do mar Mediterrâneo situado entre a Ásia e a Europa. Essas cidades-estado adquiriram renome durante a antiguidade por suas tradições intelectuais.
   O sexto século a.C. representa um período milagroso na história da humanidade. Este foi o século de Buda, Confúcio e Lao-Tsé, dos filósofos jônicos e de Pitágoras. Foi durante o sexto século a.C. que ocorreu a elevação do espírito humano.
   Na Jônia, o misticismo oriental mesclou-se ao talento grego para as investigações práticas, e o resultado foi o surgimento de inúmeros poetas, filósofos e o que hoje chamamos cientistas. Esses filósofos (“amantes da sabedoria” em grego) buscavam entender os motivos do comportamento humano, ética e moral. Ou, ainda, procuravam entender o mundo externo que está além da mente humana, isto é, a natureza. Os pensadores que se aventuraram nesta segunda alternativa ficaram conhecidos como filósofos naturais.
   A grande influência dos gregos na evolução do conhecimento, não é ter feito descobertas ou resolvido problemas úteis nos dias de hoje, mas tê-los criado. Os filósofos jônicos que desdenharam o tradicional recurso à mitologia para explicar os fenômenos naturais, (isto é, mundo externo que está além da mente humana), provocaram o início de uma busca sem fim pelo conhecimento.
                                      Pensamento Mítico
   A primeira visão do mundo foi uma visão mítica (ou poética). Esta visão não procura compreender o universo através da razão, e sim através dos sentimentos. Um poeta não tenta convencer os seus leitores ou ouvintes sobre uma ideia; tenta fazer com que eles compartilhem de seus sentimentos. A preocupação do poeta era transmitir um sentimento de doçura, de paz e purificação, de renovação.
   O pensamento científico não surgiu de repente na Grécia (cidades-estado da Jônia). Houve uma evolução de um tipo de pensamento que não está relacionado com as ciências naturais, do modo como entendemos hoje, até chegar a algo parecido com o que hoje chamamos de ideias científicas. Esta evolução foi essencialmente uma transição do pensamento mítico (ou poético) ao pensamento científico (ou racional).
   Esta transição iniciou no século 6 a.C., e foram os sábios jônicos os primeiros a investigar o universo sem apelar para a inspiração ou revelações, isto é, usaram a razão em suas investigações. Assim, a civilização grega deixou uma filosofia racionalista que foi a antecessora da ciência moderna. 
                                               Tales de Mileto
   Foi com Tales que teve início a evolução do pensamento poético ou mítico para o pensamento científico ou racional. Tales, chamado de Tales de Mileto, é o primeiro filósofo ocidental de que se tem notícia. Ele representa o marco inicial da filosofia ocidental. A sua ascendência é fenícia, nasceu em Mileto por volta de 625 a.C., antiga colônia grega, na Ásia Menor, atual Turquia, e faleceu aproximadamente em 547. Segundo o historiador grego Diógenes Laércio, Tales morreu aos 78 anos durante a 58a Olimpíada.
   Tales é apontado como um dos sete sábios da Grécia Antiga. Ele foi o fundador da Escola Jônica e é considerado o primeiro filósofo da “physis” (física). Os outros seguiram a sua linha de raciocínio buscando o princípio natural das coisas. Para Tales, a água seria a origem de todas as coisas.
   Seus seguidores, embora discordassem quanto à “substância primordial” que constituía a essência do universo, concordavam com ele sobre a existência de um “princípio único” para essa natureza primordial.
Tales de Mileto (625 – 547a.C.) 

   Tales é apontado como um dos sete sábios da Grécia Antiga. Ele foi o fundador da Escola Jônica e é considerado o primeiro filósofo da “physis” (física). Os outros seguiram a sua linha de raciocínio buscando o princípio natural das coisas. Para Tales, a água seria a origem de todas as coisas.
   Seus seguidores, embora discordassem quanto à “substância primordial” que constituía a essência do universo, concordavam com ele sobre a existência de um “princípio único” para essa natureza primordial.
   Tales introduziu a geometria abstrata na Grécia e, segundo Heródoto, ele teria previsto um eclipse solar no ano de 585 a.C. De acordo com Aristóteles, tal eclipse marca o momento em que começa a filosofia. Os astrônomos modernos concluíram que esse eclipse ocorreu no dia 28 de maio do ano mencionado por Heródoto.   
  Tales foi o primeiro filósofo grego conhecido que formulou a pergunta revolucionária: de que matéria prima fundamental e qual o processo que levou à formação do universo?              
                                                                                                          Contos
   Plutarco disse Tales certa vez olhando para o céu, tropeçou e caiu, sendo chamado por alguns de lunático. Isto ocorreu quando ele analisava o tempo para descobrir se haveria uma grande seca, com a qual ganhou muito dinheiro. Usando seu conhecimento astronômico e meteorológico (provavelmente adquirido dos babilônios), Tales previu uma excelente colheita de azeitonas com um ano de antecedência.
   Sendo um homem prático, conseguiu dinheiro para alugar todas as prensas de azeite de oliva da região. Quando chegou a colheita, durante o verão, os produtores de azeite tiveram que pagar para Tales pelo aluguel das prensas. Com esse negócio, ele ganho uma fortuna e provou que o conhecimento pode ser muito útil.
   Quando perguntaram a Tales o que era difícil, ele respondeu: “Conhecer a si próprio”. Quando perguntaram o que era fácil, ele respondeu: “Dar conselhos”.
                                           Espírito Científico
   O que se tentava na Grécia seis séculos a.C. ainda é, em grande parte, o que ainda se procura hoje. Tales de Mileto tentou entender o mundo sem invocar a intervenção dos deuses. Se as conclusões de Tales estavam corretas não é tão importante quanto a sua abordagem que deu origem ao que podemos chamar de espírito científico.
   Os gregos da escola jônica de filosofia podem ser considerados os precursores do pensamento científico. Eles não dispunham dos métodos experimentais que conhecemos hoje e nem conheciam as leis naturais que conhecemos hoje, mas provocaram o início da grande aventura: explicações racionais para os fenômenos naturais, que, em pouco mais de dois milênios, transformaria a maneira de viver da espécie humana mais radicalmente do que havia feito a evolução nos duzentos milênios anteriores.
                                                  A Transição
   O surgimento do pensamento científico na Grécia não foi um acontecimento repentino. Houve uma evolução que levou do pensamento mítico (ou poético) ao pensamento científico (ou racional).
   A primeira visão do mundo foi uma visão mítica (ou poética). Com esta visão não se procura entender o universo através da razão, e sim através dos sentimentos. Um poeta não tenta convencer os seus leitores ou ouvintes sobre uma ideia; tenta fazer com que eles compartilhem de seus sentimentos. Um bom exemplo de pensamento mítico é a descrição do alvorecer apresentada por Homero na sua obra Ilíada:
Quando a Aurora envolta em sua túnica açafrão, apressava-se a sair das correntes do oceano, para derramar luz sobre mortais e imortais ...
O objetivo de Homero não era explicar racionalmente as cores do céu ao alvorecer. O seu propósito era transmitir um sentimento de doçura, de renovação, de paz e purificação. 
   Ao contrário do pensamento mítico, o pensamento racional tenta explicar os fenômenos naturais e as ideias de uma maneira que possam ser compreendidos, isto é, que possamos ver como eles ocorrem. Quando se tenta explicar racionalmente um fenômeno, deve-se procurar estabelecer por que ocorreu de uma maneira e não de outra.
   Para confrontar o pensamento mítico com o pensamento científico considere, por exemplo, um material que se parece com madeira, mas que ao ser colocado no fogo não queima. Pode-se tentar uma explicação racional para este fato, pois uma análise química pode demonstrar que o material que não se queima não é madeira, apesar da aparência. Isto explicaria o fenômeno de uma maneira racional.
   Há outro tipo de explicação que não seria considerado válido na ciência atual, e não satisfaz à razão, mas é aceito por crianças e, pasmem, até por alguns adultos. Pode-se afirmar que o objeto não se queimou por que não quis, isto significa que estamos dando uma explicação antropomórfica completamente inaceitável pelo pensamento científico atual. Mas ao ouvir esta explicação, uma criança pode identificar-se emocionalmente com o objeto, sendo levado a crer que os objetos materiais também podem ter vontade própria. Essa explicação pode satisfazê-la, eliminando sua dúvida sobre o fenômeno.
                                                                           Analogias
   As obras mais antigas que se conhece dos gregos são as manifestações artísticas dos poetas clássicos da Grécia, onde o pensamento mítico se manifesta. Aproximadamente, mil anos antes de Cristo, quando a Odisséia foi composta por Homero, ou quando a Teogonia de Hesíodo foi escrita, não havia filósofos naturalistas.
   Homero e Hesíodo falavam de acontecimentos históricos, heróis, deuses, lendas e, também, sobre a natureza. Todavia, o centro de todos os interesses era o homem, os fenômenos naturais não eram explicados racionalmente, mas por meio de analogias. A analogia ocorre quando há um fenômeno A, com o qual estamos familiarizados, e surge um fenômeno B com algo em comum com o fenômeno A. Assim, o fenômeno B é explicado por sua semelhança com o fenômeno A.
   Para os povos da antiguidade, as chuvas, os raios e os trovões desempenhavam um papel muito importante. Esses fenômenos naturais eram assustadores e imprevisíveis, apesar de serem imprevisíveis. As chuvas, os raios e os trovões são fenômenos do tipo B, que precisavam ser explicados.
Homero (viveu entre os séculos IX e VIII a.C.)
  Todos os povos da antiguidade procuravam explicar esses fenômenos, associando-os a fenômenos humanos, que eram igualmente assustadores. Assim, a fúria da natureza assemelhava-se aos sentimentos de fúria dos seres humanos que não podem ser contidos.
   A fúria dos pais assusta as crianças tanto quanto um raio ou trovão assusta os seres humanos que não podem entender e nem se defender deles. Na mitologia, os poetas transformam os pais em deuses para explicar o mundo. Eles transpuseram esses fenômenos emocionais para explicar os fenômenos naturais, atribuindo a causa desses fenômenos a seres poderosos e inacessíveis. Esses deuses, a maioria deles masculinos, eram responsabilizados pelas tempestades, catástrofes e outros fenômenos naturais.
   Os mitos davam uma descrição da natureza que permitia ao povo senti-la e explicá-las através desse sentimento, por exemplo: 
Assim quando o senhor da doce Huno despede seus raios como sinal de grande chuva, granizo ou neve ... ou como indício de que abrirá as amplas mandíbulas da guerra faminta, assim também Agamenon arrastava um olhar pesado, pois sua alma tremia dentro dele. (Homero, Ilíada).
E então, Zeus cessa de conter suas forças, e sua alma se enche rapidamente de cólera, e ele emprega todo o seu vigor, enquanto se precipita flamejante do céu do Olimpo. E os raios, acompanhados pelo trovão e pelo relâmpago, voavam rapidamente de sua mão robusta, e a chama sagrada rolava ao longe; e, de todas as partes, a Terra fecunda gemia, flamejante, e as grandes florestas crepitavam no fogo, e toda a Terra queimava, e as fontes do oceano e o imenso Pontos se abrasavam, e um vapor quente envolvia os Titans terrestres. (Hesíodo,Teogonia).
   O pensamento analógico está por trás do pensamento poético. Uma explicação mítica é, essencialmente, uma analogia. Cientificamente, não se pode achar a menor correspondência entre o comportamento de um pai e os fenômenos atmosféricos.
                                 Explicações por Modelos
   Outro tipo de explicação, que às vezes é confundido com a analogia, é o modelo. Os modelos são usados na ciência, embora tenham algumas semelhanças com as analogias, são completamente distintos delas. Por exemplo, no modelo corpuscular da luz, há um fenômeno conhecido que é o movimento das partículas materiais, e os fenômenos luminosos que se deseja explicar.
   Os fenômenos envolvendo a luz são conhecidos e podem ser observados sem o auxílio de modelos. Todavia, os modelos são utilizados porque não conhecemos a causa pela qual um determinado fenômeno luminoso ocorre de uma maneira e não de outra.
   A propagação retilínea da luz, por exemplo, ocorre de acordo com determinadas leis conhecidas, que são semelhantes ao movimento de uma partícula livre. A reflexão da luz é similar à reflexão de uma bolinha perfeitamente elástica.
   Neste caso, os fenômenos mecânicos relacionados com uma partícula livre e o comportamento de uma bolinha perfeitamente elástica são considerados compreendidos. Eles são utilizados para explicar os fenômenos luminosos relacionados com a propagação retilínea da luz.
   Não há apenas uma analogia entre duas classes de fenômenos, estabelece-se para a luz um modelo, ao afirmar que ela é constituída por partículas. Na analogia não se supõe necessariamente que um fenômeno exista dentro do outro, basta que sejam semelhantes. No modelo, supõe-se que haja uma semelhança mais profunda, com caráter de identidade interna.
                                        O Grande Mérito
   As explicações por modelos surgiram na Grécia, quando os pensadores jônicos provocaram o início da grande aventura, ao abandonarem o recurso à mitologia para explicar os fenômenos naturais. Esses pensadores propuseram uma explicação usando modelos para os fenômenos que ocorrem na natureza. Assim, surgiu o chamado pensamento científico, uma explicação bem mais racional para o mundo onde vivemos. Eles procuravam as causas “ocultas” por traz da aparência dos fenômenos observados.
   Ainda hoje, colocar um problema em discussão pode representar uma contribuição enorme. Mesmo quando o cientista que provocou a discussão não tenha dado uma contribuição importante no processo de resolução do problema. O grande mérito dos gregos não foi a resolução de algum problema que seja útil nos dias de hoje, mas sim tê-los criado.
   Para mencionar um exemplo na ciência atual, suponha que alguém começa a questionar os motivos da validade da terceira lei de Newton. Neste caso, durante a discussão, pode-se deparar com um problema cuja solução irá aprofundar o conhecimento das leis do movimento, impulsionando, assim, o desenvolvimento da ciência.
                                  Abandonando os Deuses
   Um dos problemas mais discutidos pelos gregos está relacionado com as transformações da matéria. Todas as coisas mudam, envelhecem e se transformam, mostrando uma transmutação contínua da matéria. Para os filósofos capazes de perceber a estranheza desses fenômenos surgiu a pergunta: como explicar a razão dessa transformação contínua? Para responder essa pergunta, eles tiveram a ideia de procurar algo que não se transforma. 
   Essa é uma tendência do pensamento filosófico: explicar algo pelo seu oposto. A existência das cores pode ser explicada por coisas desprovidas de cor. A massa por algo sem massa e as transformações por algo imutável.
   As contradições e as concepções ou crenças conflitantes estimularam os filósofos gregos. Por exemplo, o Deus Marduk dos babilônios e o Deus Zeus dos gregos eram, cada um deles, considerado o rei dos deuses e mestre dos céus. Mas eles tinham diferentes atributos, Marduk e Zeus eram deuses distintos. Portanto, um deles deveria ser invenção dos sacerdotes. Mas se um foi inventado, por que não o outro?
   Assim, a grande ideia despertou, deve haver uma maneira de se conhecer o mundo natural sem a hipótese dos deuses. Deve haver princípios, leis da natureza e forças que possibilitariam o entendimento da natureza sem atribuir um relâmpago, a queda de um pássaro ou de uma árvore sem a intervenção direta de Zeus ou Marduk.
   Tale de mileto acreditava, tal como os babilônios, que o mundo foi apenas água no passado. Para explicar a terra seca, os babilônios acreditavam que Marduk colocou uma espécie de tapete sobre a água amontoou poeira sobre ele. A visão de Tales era similar à dos babilônios, mas deixou Marduk e Zeus de lado. Para ele tudo foi água, mas a terra se formou a partir dos oceanos por processos naturais – similar, sugeriu Tales, à sedimentação que observou no delta do Nilo.
                                     Poucos Fragmentos
   Todos os filósofos gregos anteriores a Sócrates, incluindo Tales, viviam na Jônia (costa da atual Turquia) ou nas colônias situadas nas costas da atual Itália. São conhecidas apenas três frases que expressam diretamente as concepções de Tales sobre filosofia e física. Essa falta de obras originais ocorre com quase todos os filósofos até a época de Platão. Só os filósofos a partir dele são conhecidos através de obras originais relativamente extensas.
   As concepções de Tales chegaram até nós através de poucos fragmentos e comentários. Para Tales há uma substância indestrutível que permanece a mesma nos processos onde ocorrem as transformações da matéria. Essa substância fundamental, ou “elemento”, seria a água. De acordo com um comentário de Aristóteles, a opinião de Tales é de que todas as coisas nascem da água e os fenômenos biológicos eram citados como explos.
   Outros filósofos gregos sustentavam que a vida surge da água citando uma série de fatos como argumentos. Por exemplo, criança se desenvolve na água, dentro do útero da mãe. Todos os seres vivos consomem água, e as sementes germinam por causa da umidade do solo. Pois as sementes não conseguem germinar em um solo totalmente seco. Todos esses fatos, segundo os comentadores, foram usados por Tales para evidenciar a importância da água.
   Tales afirmava, ainda, que todas as substâncias derivam da água. Pois, a água congelada se torna dura, logo os objetos congelados eram constituídos por água solidificada. A água aquecida se transforma em “ar”, isto é, vapor. Com esses argumentos, ele afirmava que todas as substâncias podiam ser definidas como diferentes estados da água. O fogo podia ser considerado como água muito aquecida. Todas as substâncias básicas para os gregos (terra, fogo, ar e água) teriam surgido da própria água, que se transformava e gerava tos as substâncias conhecidas da natureza.
   O pensamento de Tales apresenta grande influência dos mitos, portanto não pode ser considerado como totalmente racional. Parece que ele adotou muitas ideias dos poetas, principalmente Hesíodo; ao dizer “tudo sai da água” refere-se a um antigo mito grego. Mas ele apresenta uma tentativa de sistematização e a procura de alguma coisa que deve estar oculta nos processos de transformação da matéria. Essa é a sua grande contribuição. Vários seguidores adotaram as suas ideias com algumas modificações.
                                                O Apeíron
   Anaximandro foi um discípulo de Tales, que viveu no século VI a.C., também achava que havia uma substância fundamental e indestrutível. Mas, ele já não a associava à água. Anaximandro chamava essa substância indestrutível de apeíron, que ninguém sabia exatamente qual era a sua natureza. Pois os comentadores atribuíam diversos significados a essa substância, dentre eles indefinido, infinito e sem qualidades.
   Essa concepção, de algo sem as qualidades observadas nas substâncias naturais, permaneceu obscura para muitos filósofos posteriores. As qualidades das substâncias naturais como a cor, o sabor, e outras, desaparecem ou se transformam. Se elas podem mudar, de acordo com Anaximandro a substância que não muda por trás delas não deve ter propriedades. Por isso, a substância indestrutível deve receber o nome de indefinida e sem qualidades – apeíron. Essa substância preencheria todo o universo, que em diferentes lugares tem diferentes propriedades.
                        Velhas Ideias com Nova Roupagem
   Embora os nomes sejam diferentes, filósofos posteriores utilizaram basicamente as mesmas ideias antigas e obscuras que parecem estar distantes da ciência atual. Por exemplo, o físico Werner Heisemberg utilizou uma concepção muito parecida com o apeíron. Ele tentou desenvolver uma teoria segundo a qual os elétrons, os prótons e outras partículas, consideradas fundamentais, não são permanentes.
   De acordo com a proposta de Heisemberg, essas partículas seriam manifestações temporárias de uma substância que supostamente deveria preencher todo o universo. Essa substância é algo semelhante à concepção de Anaximandro, pois não tem nenhuma das propriedades das partículas elementares, mas as cria por transformações.
   O físico David Bohm tentou justificar essa concepção de Heisemberg através da mecânica quântica e da relatividade. Este exemplo mostra que uma ideia antiga e coberta com a poeira do tempo pode receber uma nova roupagem recebendo a atenção de conceituados cientistas e filósofos.