História da Física
Jair Lucinda
“Imagens” dos Sons
No início, os seres humanos
inventaram a fala. Aprenderam a modular a respiração e a usar diferentes
modulações do som para designar objetos
materiais e abstrações. A capacidade de comunicação oral é uma
distinção fundamental entre os seres humanos e todos os outros animais.
Todos os seres humanos
mentalmente normais aprendem a se comunicarem oralmente quando ainda são
crianças, exceto aqueles que por algum motivo não conseguem modular o som e se
comunicam usando a linguagem de sinais. Há grupos que usam linguagens extremamente
complexas e sofisticadas, mas não há exceção, a comunicação oral é um atributo
universal dos seres humanos.
Codificação da fala
Depois surgiu a invenção que é
uma das mais simples dentre as tecnologias criadas pela humanidade. Mas foi a invenção
que provocou as maiores transformações na vida das pessoas. Esta invenção é a palavra escrita, isto é, a codificação da fala.
Placa suméria de 2350 a.C. |
Assim, os sons modulados foram
codificados e agora podiam ser vistos pelos olhos e transformados em sons no
cérebro. Portanto, o livro é um dispositivo que contem o que podemos chamar de “fala armazenada” que é decodificada
pelo cérebro do leitor.
A linguagem é um atributo
universal da humanidade, e a maior parte das informações chega até nós
através
da fala e sua forma armazenada (manuscrita, impressa ou em arquivos
eletrônicos) do que sob a forma de imagens.
No
início, era possível codificar apenas algumas palavras em um tablet (pequenas placas de argila). Mas
agora é possível transportar uma biblioteca inteira em um tablet eletrônico que cabe no bolso.
Alterando a Fisionomia
do Planeta
Os descendentes de agricultores
da idade da pedra, que viviam na região que mais tarde os gregos chamaram de Mesopotâmia, “entre rios”, participaram
do fato mais importante da história da humanidade. Situada no coração do
Oriente Médio, mais de 900 quilômetros a leste do mar Mediterrâneo. Há,
aproximadamente, 9 mil anos, esta região exibia uma paisagem pardacenta em uma
planície que parecia inaproveitável.
Esse
povo que vivia às margens dos pântanos, na região entre os rios Tigre e
Eufrates (Fig. ao lado), veio a ser conhecido como sumério, e a sua terra, como
Suméria. Os sumérios foram capazes de registrar a própria história, porque eles
inventaram a palavra escrita.
Por
volta do ano 3.000 a .C.,
as plantações de cereais se espalhavam pela planície outrora quase desértica e
magníficas cidades erguiam-se às margens desses dois rios. Os artesãos
produziam
reluzentes jóias, objetos de cerâmicas e outras mercadorias. As ruas
das cidades eram movimentadas e havia muitas pessoas nos mercados.
Assim, a partir das aparentes desvantagens dessa região, os sumérios desencadearam
um movimento que alteraria para sempre a fisionomia do planeta Terra. Depois de
aproximadamente três séculos, o exemplo dos sumérios germinou como uma semente,
pois outras civilizações floresceram nas margens de alguns grandes rios na
superfície do planeta: no vale do rio Indo que fica na região do atual
Paquistão; o rio Amarelo que flui através da China; e, finalmente, o rio Nilo que
irrigou, ao longo de suas margens, o surgimento da civilização no Egito.
Grandes culturas prosperaram em outras regiões do planeta, mas foi a
Suméria que lançou a humanidade nessa fantástica aventura chamada civilização. Assim, as realizações dos
sumérios ficaram registradas para sempre na consciência humana.
O Desabrochar Helênico
Até
o século VI a.C., o surgimento das grandes civilizações foi, sem dúvida, o fato
mais importante da história da
humanidade. No entanto, logo após o início do século VI a.C., aconteceu o
que os historiadores chamam de febre jônica ou desabrochar helênico. A grande
revolução do pensamento humano que começou nas cidades-estado da Jônia, na
costa oriental do mar Egeu (em grego: Αιγαίο Πέλαγος, que se pronuncia Eiêo
Pélaghos). O Egeu é um mar interior da
bacia do mar Mediterrâneo situado entre a Ásia e a Europa. Essas cidades-estado
adquiriram renome durante a antiguidade por suas tradições intelectuais.
O sexto século a.C. representa um período milagroso na história da
humanidade. Este foi o século de Buda, Confúcio e Lao-Tsé, dos filósofos
jônicos e de Pitágoras. Foi durante o sexto século a.C. que ocorreu a elevação
do espírito humano.
Na Jônia, o misticismo oriental
mesclou-se ao talento grego para as investigações práticas, e o resultado foi o
surgimento de inúmeros poetas, filósofos e o que hoje chamamos cientistas. Esses
filósofos (“amantes da sabedoria” em
grego) buscavam entender os motivos do comportamento humano, ética
e moral.
Ou, ainda, procuravam entender o mundo externo que está além da mente humana,
isto é, a natureza. Os pensadores que se aventuraram nesta segunda alternativa
ficaram conhecidos como filósofos naturais.
A grande influência dos gregos
na evolução do conhecimento, não é ter feito descobertas ou resolvido problemas
úteis nos dias de hoje, mas tê-los criado. Os filósofos jônicos que desdenharam
o tradicional recurso à mitologia para explicar os fenômenos naturais, (isto é,
mundo externo que está além da mente humana), provocaram o início de uma busca sem fim pelo conhecimento.
Pensamento Mítico
A primeira visão do mundo foi
uma visão mítica (ou poética). Esta visão não procura compreender o universo
através da razão, e sim através dos sentimentos. Um poeta não tenta convencer
os seus leitores ou ouvintes sobre uma ideia; tenta fazer com que eles
compartilhem de seus sentimentos. A preocupação do poeta era transmitir um
sentimento de doçura, de paz e purificação, de renovação.
O pensamento
científico não surgiu de repente na Grécia (cidades-estado da Jônia). Houve uma
evolução de um tipo de pensamento que não está relacionado com as ciências
naturais, do modo como entendemos hoje, até chegar a algo parecido com o que
hoje chamamos de ideias científicas. Esta evolução foi essencialmente uma
transição do pensamento mítico (ou poético) ao pensamento
científico (ou racional).
Esta transição iniciou no século 6 a .C.,
e foram os sábios jônicos os primeiros a investigar o universo sem apelar para
a inspiração ou revelações, isto é, usaram a razão em suas investigações.
Assim, a civilização grega deixou uma filosofia racionalista que foi a
antecessora da ciência moderna.
Tales de Mileto
Foi com Tales que teve início a
evolução do pensamento poético ou mítico para o pensamento científico ou
racional. Tales, chamado de Tales de Mileto, é o primeiro filósofo ocidental
de que se tem notícia. Ele representa o marco inicial da filosofia ocidental. A
sua ascendência é fenícia, nasceu em Mileto por volta de 625 a .C., antiga colônia
grega, na Ásia Menor, atual Turquia, e faleceu aproximadamente em 547. Segundo
o historiador grego Diógenes Laércio, Tales morreu aos 78 anos durante a 58a
Olimpíada.
Tales é apontado como um dos sete sábios da
Grécia Antiga. Ele foi o fundador da Escola Jônica e é considerado o primeiro
filósofo da “physis” (física). Os outros seguiram a sua linha de raciocínio
buscando o princípio natural das coisas. Para Tales, a água seria a origem de
todas as coisas.
Seus seguidores, embora
discordassem quanto à “substância primordial” que constituía a essência do
universo, concordavam com ele sobre a existência de um “princípio único” para
essa natureza primordial.
Tales de Mileto (625 –
547a.C.)
|
Tales é apontado como um dos sete sábios da
Grécia Antiga. Ele foi o fundador da Escola Jônica e é considerado o primeiro
filósofo da “physis” (física). Os outros seguiram a sua linha de raciocínio
buscando o princípio natural das coisas. Para Tales, a água seria a origem de
todas as coisas.
Seus seguidores, embora
discordassem quanto à “substância primordial” que constituía a essência do
universo, concordavam com ele sobre a existência de um “princípio único” para
essa natureza primordial.
Tales introduziu a geometria abstrata na Grécia e, segundo Heródoto, ele
teria previsto um eclipse solar no ano de 585 a .C. De acordo com Aristóteles, tal eclipse
marca o momento em que começa a filosofia. Os astrônomos modernos concluíram
que esse eclipse ocorreu no dia 28 de maio do ano mencionado por Heródoto.
Tales foi o primeiro filósofo grego conhecido
que formulou a pergunta revolucionária: de
que matéria prima fundamental e qual o processo que levou à formação do
universo?
Contos
Plutarco disse Tales certa vez
olhando para o céu, tropeçou e caiu, sendo chamado por alguns de lunático. Isto
ocorreu quando ele analisava o tempo para descobrir se haveria uma grande seca,
com a qual ganhou muito dinheiro. Usando seu conhecimento astronômico e
meteorológico (provavelmente adquirido dos babilônios), Tales previu uma
excelente colheita de azeitonas com um ano de antecedência.
Sendo um homem prático,
conseguiu dinheiro para alugar todas as prensas de azeite de oliva da região.
Quando chegou a colheita, durante o verão, os produtores de azeite tiveram que
pagar para Tales pelo aluguel das prensas. Com esse negócio, ele ganho uma
fortuna e provou que o conhecimento pode ser muito útil.
Quando perguntaram a Tales o
que era difícil, ele respondeu: “Conhecer a si próprio”. Quando perguntaram o
que era fácil, ele respondeu: “Dar conselhos”.
Espírito Científico
O que se tentava na Grécia seis
séculos a.C. ainda é, em grande parte, o que ainda se procura hoje. Tales de
Mileto tentou entender o mundo sem invocar a intervenção dos deuses. Se as
conclusões de Tales estavam corretas não é tão importante quanto a sua
abordagem que deu origem ao que podemos chamar de espírito científico.
Os gregos da escola jônica de
filosofia podem ser considerados os precursores do pensamento científico. Eles
não dispunham dos métodos experimentais que conhecemos hoje e nem conheciam as
leis naturais que conhecemos hoje, mas provocaram o início da grande aventura:
explicações racionais para os fenômenos naturais, que,
em pouco mais de dois milênios, transformaria a maneira de viver da espécie
humana mais radicalmente do que havia feito a evolução nos duzentos milênios
anteriores.
A Transição
O surgimento do pensamento
científico na Grécia não foi um acontecimento repentino. Houve uma evolução que
levou do pensamento mítico (ou poético) ao pensamento científico (ou racional).
A primeira visão do mundo foi
uma visão mítica (ou poética). Com esta visão não se procura entender o
universo através da razão, e sim através dos sentimentos. Um poeta não tenta convencer
os seus leitores ou ouvintes sobre uma ideia; tenta fazer com que eles
compartilhem de seus sentimentos. Um bom exemplo de pensamento mítico é a
descrição do alvorecer apresentada por Homero na sua obra Ilíada:
Quando a Aurora envolta em sua
túnica açafrão, apressava-se a sair das correntes do oceano, para derramar luz
sobre mortais e imortais ...
O objetivo de Homero não era explicar racionalmente as cores do céu ao
alvorecer. O seu propósito era transmitir um sentimento de doçura, de
renovação, de paz e purificação.
Ao contrário do pensamento
mítico, o pensamento racional tenta explicar os fenômenos naturais e as ideias
de uma maneira que possam ser compreendidos, isto é, que possamos ver como eles
ocorrem. Quando se tenta explicar racionalmente um fenômeno, deve-se procurar
estabelecer por que ocorreu de uma maneira e não de outra.
Para confrontar o pensamento
mítico com o pensamento científico considere, por exemplo, um material que se
parece com madeira, mas que ao ser colocado no fogo não queima. Pode-se tentar
uma explicação racional para este fato, pois uma análise química pode
demonstrar que o material que não se queima não é madeira, apesar da aparência.
Isto explicaria o fenômeno de uma maneira racional.
Há outro tipo de explicação que
não seria considerado válido na ciência atual, e não satisfaz à razão, mas é
aceito por crianças e, pasmem, até por alguns adultos. Pode-se afirmar que o
objeto não se queimou por que não quis, isto significa que estamos dando uma explicação
antropomórfica completamente inaceitável pelo pensamento científico atual. Mas
ao ouvir esta explicação, uma criança pode identificar-se emocionalmente com o
objeto, sendo levado a crer que os objetos materiais também podem ter vontade
própria. Essa explicação pode satisfazê-la, eliminando sua dúvida sobre o
fenômeno.
Analogias
As obras mais antigas que se conhece dos gregos são as manifestações
artísticas dos poetas clássicos da Grécia, onde o pensamento mítico se manifesta.
Aproximadamente, mil anos antes de Cristo, quando a Odisséia foi composta por
Homero, ou quando a Teogonia de Hesíodo foi escrita, não havia filósofos
naturalistas.
Homero e
Hesíodo falavam de acontecimentos históricos, heróis, deuses, lendas e, também,
sobre a natureza. Todavia, o centro de todos os interesses era o homem, os
fenômenos naturais não eram explicados racionalmente, mas por meio de
analogias. A analogia ocorre quando há um fenômeno A, com o qual estamos
familiarizados, e surge um fenômeno B com algo em comum com o fenômeno A.
Assim, o fenômeno B é explicado por sua semelhança com o fenômeno A.
Para os povos da antiguidade, as chuvas, os raios e os trovões
desempenhavam um papel muito importante. Esses fenômenos naturais eram
assustadores e imprevisíveis, apesar de serem imprevisíveis. As chuvas, os
raios e os trovões são fenômenos do tipo B, que precisavam ser explicados.
Todos os povos da antiguidade
procuravam explicar esses fenômenos, associando-os a fenômenos humanos, que
eram igualmente assustadores. Assim, a fúria da natureza assemelhava-se aos
sentimentos de fúria dos seres humanos que não podem ser contidos.
A fúria dos pais assusta as crianças tanto quanto um raio ou trovão
assusta os seres humanos que não podem entender e nem se defender deles. Na
mitologia, os poetas transformam os pais em deuses para explicar o mundo. Eles
transpuseram esses fenômenos emocionais para explicar os fenômenos naturais,
atribuindo a causa desses fenômenos a seres poderosos e inacessíveis. Esses
deuses, a maioria deles masculinos, eram responsabilizados pelas tempestades,
catástrofes e outros fenômenos naturais.
Os mitos davam uma descrição da natureza que permitia ao povo senti-la e
explicá-las através desse sentimento, por exemplo:
Assim quando o senhor da doce Huno despede seus raios como sinal de
grande chuva, granizo ou neve ... ou como indício de que abrirá as amplas
mandíbulas da guerra faminta, assim também Agamenon arrastava um olhar pesado,
pois sua alma tremia dentro dele. (Homero, Ilíada).
E então, Zeus cessa de conter suas forças, e sua alma se enche
rapidamente de cólera, e ele emprega todo o seu vigor, enquanto se precipita
flamejante do céu do Olimpo. E os raios, acompanhados pelo trovão e pelo
relâmpago, voavam rapidamente de sua mão robusta, e a chama sagrada rolava ao
longe; e, de todas as partes, a Terra fecunda gemia, flamejante, e as grandes
florestas crepitavam no fogo, e toda a Terra queimava, e as fontes do oceano e
o imenso Pontos se abrasavam, e um vapor quente envolvia os Titans terrestres.
(Hesíodo,Teogonia).
O pensamento analógico está por trás do pensamento poético. Uma
explicação mítica é, essencialmente, uma analogia. Cientificamente, não se pode
achar a menor correspondência entre o comportamento de um pai e os fenômenos
atmosféricos.
Explicações por
Modelos
Outro tipo de explicação, que às vezes é confundido com a analogia, é o
modelo. Os modelos são usados na ciência, embora tenham algumas semelhanças com
as analogias, são completamente distintos delas. Por exemplo, no modelo
corpuscular da luz, há um fenômeno conhecido que é o movimento das partículas
materiais, e os fenômenos luminosos que se deseja explicar.
Os fenômenos envolvendo a luz são conhecidos e podem ser observados sem
o auxílio de modelos. Todavia, os modelos são utilizados porque não conhecemos
a causa pela qual um determinado fenômeno luminoso ocorre de uma maneira e não
de outra.
A propagação retilínea da luz, por exemplo, ocorre de acordo com
determinadas leis conhecidas, que são semelhantes ao movimento de uma partícula
livre. A reflexão da luz é similar à reflexão de uma bolinha perfeitamente
elástica.
Neste caso, os fenômenos mecânicos relacionados com uma partícula livre
e o comportamento de uma bolinha perfeitamente elástica são considerados
compreendidos. Eles são utilizados para explicar os fenômenos luminosos
relacionados com a propagação retilínea da luz.
Não há apenas uma analogia entre duas classes de fenômenos,
estabelece-se para a luz um modelo, ao afirmar que ela é constituída por
partículas. Na analogia não se supõe necessariamente que um fenômeno exista
dentro do outro, basta que sejam semelhantes. No modelo, supõe-se que haja uma
semelhança mais profunda, com caráter de identidade interna.
O Grande Mérito
As explicações por modelos surgiram na Grécia, quando os pensadores
jônicos provocaram o início da grande aventura, ao abandonarem o recurso à
mitologia para explicar os fenômenos naturais. Esses pensadores propuseram uma
explicação usando modelos para os fenômenos que ocorrem na natureza. Assim,
surgiu o chamado pensamento científico, uma explicação bem mais racional para o
mundo onde vivemos. Eles procuravam as causas “ocultas” por traz da aparência
dos fenômenos observados.
Ainda hoje, colocar um problema em discussão pode representar uma
contribuição enorme. Mesmo quando o cientista que provocou a discussão não
tenha dado uma contribuição importante no processo de resolução do problema. O
grande mérito dos gregos não foi a resolução de algum problema que seja útil
nos dias de hoje, mas sim tê-los criado.
Para mencionar um exemplo na ciência atual, suponha que alguém começa a
questionar os motivos da validade da terceira lei de Newton. Neste caso,
durante a discussão, pode-se deparar com um problema cuja solução irá
aprofundar o conhecimento das leis do movimento, impulsionando, assim, o desenvolvimento
da ciência.
Abandonando os Deuses
Um dos problemas mais discutidos pelos gregos está relacionado com as
transformações da matéria. Todas as coisas mudam, envelhecem e se transformam,
mostrando uma transmutação contínua da matéria. Para os filósofos capazes de
perceber a estranheza desses fenômenos surgiu a pergunta: como explicar a razão
dessa transformação contínua? Para responder essa pergunta, eles tiveram a
ideia de procurar algo que não se transforma.
Essa é uma tendência do pensamento filosófico: explicar algo pelo seu
oposto. A existência das cores pode ser explicada por coisas desprovidas de
cor. A massa por algo sem massa e as transformações por algo imutável.
As contradições e as concepções ou crenças conflitantes estimularam os
filósofos gregos. Por exemplo, o Deus Marduk dos babilônios e o Deus Zeus dos
gregos eram, cada um deles, considerado o rei dos deuses e mestre dos céus. Mas
eles tinham diferentes atributos, Marduk e Zeus eram deuses distintos.
Portanto, um deles deveria ser invenção dos sacerdotes. Mas se um foi
inventado, por que não o outro?
Assim, a grande ideia despertou, deve haver uma maneira de se conhecer o
mundo natural sem a hipótese dos deuses. Deve haver princípios, leis da
natureza e forças que possibilitariam o entendimento da natureza sem atribuir
um relâmpago, a queda de um pássaro ou de uma árvore sem a intervenção direta
de Zeus ou Marduk.
Tale de mileto acreditava, tal como os babilônios, que o mundo foi
apenas água no passado. Para explicar a terra seca, os babilônios acreditavam
que Marduk colocou uma espécie de tapete sobre a água amontoou poeira sobre
ele. A visão de Tales era similar à dos babilônios, mas deixou Marduk e Zeus de
lado. Para ele tudo foi água, mas a terra se formou a partir dos oceanos por
processos naturais – similar, sugeriu Tales, à sedimentação que observou no
delta do Nilo.
Poucos Fragmentos
Todos os filósofos gregos anteriores a Sócrates, incluindo Tales, viviam
na Jônia (costa da atual Turquia) ou nas colônias situadas nas costas da atual
Itália. São conhecidas apenas três frases que expressam diretamente as
concepções de Tales sobre filosofia e física. Essa falta de obras originais
ocorre com quase todos os filósofos até a época de Platão. Só os filósofos a
partir dele são conhecidos através de obras originais relativamente extensas.
As concepções de Tales chegaram até nós através de poucos fragmentos e
comentários. Para Tales há uma substância indestrutível que permanece a mesma
nos processos onde ocorrem as transformações da matéria. Essa substância
fundamental, ou “elemento”, seria a água. De acordo com um comentário de
Aristóteles, a opinião de Tales é de que todas as coisas nascem da água e os
fenômenos biológicos eram citados como explos.
Outros filósofos gregos sustentavam que a vida surge da água citando uma
série de fatos como argumentos. Por exemplo, criança se desenvolve na água,
dentro do útero da mãe. Todos os seres vivos consomem água, e as sementes
germinam por causa da umidade do solo. Pois as sementes não conseguem germinar
em um solo totalmente seco. Todos esses fatos, segundo os comentadores, foram
usados por Tales para evidenciar a importância da água.
Tales afirmava, ainda, que todas as substâncias derivam da água. Pois, a
água congelada se torna dura, logo os objetos congelados eram constituídos por
água solidificada. A água aquecida se transforma em “ar”, isto é, vapor. Com
esses argumentos, ele afirmava que todas as substâncias podiam ser definidas
como diferentes estados da água. O fogo podia ser considerado como água muito
aquecida. Todas as substâncias básicas para os gregos (terra, fogo, ar e água)
teriam surgido da própria água, que se transformava e gerava tos as substâncias
conhecidas da natureza.
O pensamento de Tales apresenta grande influência dos mitos, portanto
não pode ser considerado como totalmente racional. Parece que ele adotou muitas
ideias dos poetas, principalmente Hesíodo; ao dizer “tudo sai da água”
refere-se a um antigo mito grego. Mas ele apresenta uma tentativa de
sistematização e a procura de alguma coisa que deve estar oculta nos processos
de transformação da matéria. Essa é a sua grande contribuição. Vários seguidores
adotaram as suas ideias com algumas modificações.
O Apeíron
Anaximandro foi um discípulo de Tales, que viveu no século VI a.C.,
também achava que havia uma substância fundamental e indestrutível. Mas, ele já
não a associava à água. Anaximandro chamava essa substância indestrutível de
apeíron, que ninguém sabia exatamente qual era a sua natureza. Pois os
comentadores atribuíam diversos significados a essa substância, dentre eles indefinido,
infinito e sem qualidades.
Essa concepção, de algo sem as qualidades observadas nas substâncias
naturais, permaneceu obscura para muitos filósofos posteriores. As qualidades
das substâncias naturais como a cor, o sabor, e outras, desaparecem ou se
transformam. Se elas podem mudar, de acordo com Anaximandro a substância que
não muda por trás delas não deve ter propriedades. Por isso, a substância
indestrutível deve receber o nome de indefinida e sem qualidades – apeíron. Essa substância preencheria
todo o universo, que em diferentes lugares tem diferentes propriedades.
Velhas
Ideias com Nova Roupagem
Embora os nomes sejam
diferentes, filósofos posteriores utilizaram basicamente as mesmas ideias
antigas e obscuras que parecem estar distantes da ciência atual. Por exemplo, o
físico Werner Heisemberg utilizou uma concepção muito parecida com o apeíron. Ele tentou desenvolver uma teoria
segundo a qual os elétrons, os prótons e outras partículas, consideradas fundamentais,
não são permanentes.
De acordo com a proposta de
Heisemberg, essas partículas seriam manifestações temporárias de uma substância
que supostamente deveria preencher todo o universo. Essa substância é algo
semelhante à concepção de Anaximandro, pois não tem nenhuma das propriedades
das partículas elementares, mas as cria por transformações.
O físico David Bohm tentou
justificar essa concepção de Heisemberg através da mecânica quântica e da
relatividade. Este exemplo mostra que uma ideia antiga e coberta com a poeira
do tempo pode receber uma nova roupagem recebendo a atenção de conceituados
cientistas e filósofos.
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