terça-feira, 12 de maio de 2015

Capítulo 2: Pitágoras de Samos



                             Assim Disse o Mestre Era a Lei
   Pitágoras nasceu nas primeiras décadas do grandioso século VI a.C. e viveu pelo menos oitenta anos e, possivelmente, noventa. Não é possível afirmar se todos os detalhes da visão pitagórica

Pitágoras nasceu nas primeiras décadas do século VI a.C.
do universo são realmente do mestre ou se há contribuições de alguns dos seus discípulos. Mas não há dúvida, os detalhes fundamentais foram concebidos por um único espírito.
   Pitágoras de Samos foi tanto o fundador de uma nova filosofia religiosa, como o fundador da Ciência no sentido atual da palavra. Como fizeram inúmeros cidadãos cultos das ilhas gregas, Pitágoras provavelmente viajou pela Ásia Menor e pelo Egito. Diz-se que ele foi incumbido de missões diplomáticas por Polícrates, o empreendedor autocrata de Samos. O tirano esclarecido, Polícrates, favorecia a pirataria, o comércio, as obras de engenharia e as artes; o grande engenheiro Eupalinos de Megara e o grande poeta da época, Anacreonte, viveram em sua corte.
   Há indícios indicando que o pai de Pitágoras era ourives e gravador de pedras. Pitágoras parece ter sido discípulo de Anaximandro, o ateu, e de Ferécides, o místico, que ensinava a transmigração das almas.
                                         Harmonia das Esferas
   Por volta de 530 a.C., Pitágoras emigrou para Cróton que era a maior cidade, depois de Síbaris, no sul da Itália. A irmandade que fundou, ao chegar, tomou conta da cidade, certamente a reputação do mestre chegou antes. Por algum tempo, a Irmandade dos pitagóricos manteve a

Lei das cordas de Pitágoras.
supremacia sobre considerável parte da Magna Grécia.
   O poder secular foi breve, mas enquanto durou, a palavra do mestre era a lei. No fim da sua vida, Pitágoras foi banido de Cróton para o Metaponto e seus obedientes discípulos foram exilados ou mortos. As casas onde costumavam reunir-se foram queimadas. Mas, a cosmovisão pitagórica foi duradora, e ainda influencia o pensamento e o vocabulário. Ambos os vocábulos, harmonia, no seu sentido mais lato, e filosofia são de origem pitagórica.
   Ao chamar números de figura (ou casas) decimais, estamos usando uma gíria da Irmandade pitagórica. A essência da visão dessa Irmandade é o seu caráter unificador englobando tudo em uma síntese inspirada e luminosa; une matemática e música, religião e ciência, medicina e cosmologia, corpo, espírito e mente.
   A descoberta de Pitágoras de que a altura (frequência) do som depende do comprimento da corda, que o produz, foi a primeira e feliz redução da qualidade a quantidade.
                                Todas as Coisas São Números
   O universo de Pitágoras contém um dos mais poderosos tônicos jamais ministrados ao cérebro

Primeira figura: número quadrado. Segunda figura: 
número triangular. Terceira figura: número oblongo.
humano. No doutrina pitagórica, a filosofia é a mais elevada das músicas, e a forma mais elevada de filosofia diz respeito aos números e, em última análise, todas as coisas são números. Os membros da Irmandade pitagórica consideravam os números como configurações de pontos formando figuras, tais como nas faces de um dado. Todas as coisas são formas, todas as coisas têm forma, e todas as formas são definidas por números.
   Entre as formas numéricas existem inesperadas relações. Por exemplo, a série dos números quadrados perfeitos pode ser obtida pela adição de sucessivos números ímpares:

[1] + 3=[4] + 5=[9] + 7=[16] + 9=[25] + 11=[36] + 13=[49] + 15=[64] + ...


E a forma numérica (figura) resultante é:

   A adição de sucessivos números pares forma os “números oblongos”, onde as razões entre os lados formam exatamente os intervalos concordantes da escala musical:

2 (2:1, oitava) + 4 = 6 (3:2, quinta) + 6 = 12 (4:3, quarta).

De maneira análoga se obtinham os números “cúbicos” e os “piramidais”.
   Como o pai de Pitágoras era gravador de pedras e ourives, as formas dos cristais devem ter sido familiar na mocidade do Mestre. Há cristais cuja forma imita as formas numéricas puras; o quartzo imita a pirâmide e a dupla pirâmide, a granada o dodecaedro, o berílio, o hexágono. Tudo parecia mostrar que a realidade poderia ser reduzida a séries numéricas e razões numéricas, descobri-las era tarefa do Filosofo, amigo da Sabedoria.
   Um exemplo da magia dos números é o teorema de Pitágoras sobre o triângulo retângulo, cuja
Triângulo retângulo.
forma lembra o pico visível de uma montanha de gelo submersa.    
  Música das Esferas
   Para o poeta Homero, o mundo era como uma ostra, um disco flutuante rodeado pelo Oceano. No universo de Anaximandro, o disco terrestre já não flutua sobre a água, permanece no centro, suportado por nada e rodeado de ar. No universo de Pitágoras, a terra se transforma em uma

De acordo com os pitagóricos, a movimentação
de cada planeta provoca um sussurro musical.
esfera e, em torno dela, o sol, a lua e os outros planetas (estrelas errantes) giram em círculos concêntricos, cada um preso em uma roda ou esfera.
   A rápida movimentação de cada corpo celeste provoca um silvo, ou sussurro musical. Cada planeta provocará um tom diverso, dependendo da razão da respectiva órbita, assim como o tom de uma corda depende do seu comprimento. As órbitas em que os planetas se movem formam uma espécie de lira cósmica cujas cordas formam círculos. Parecia evidente que os intervalos entre as cordas orbitais eram governados pelas leis da harmonia.
   Conta-se que Pitágoras achava que o intervalo musical entre a Terra e a órbita da Lua era de um tom; entre as órbitas da Lua e de Mercúrio havia um semitom; de Mercúrio a Vênus, um semitom; de Saturno à esfera das estrelas fixas; uma terça menor. A “Escala Pitagórica” resultante é: dó, ré, mib, sol, lá, sib, si, ré. Obviamente, há variações nas descrições da escala mencionadas por diferentes escritores.
                                       Ciência e Religião
   O universo concebido por Pitágoras assemelha-se a uma caixa de música cósmica a repetir o mesmo prelúdio de uma eternidade à outra. As crenças religiosas da Irmandade Pitagórica estão relacionadas ao vulto de Orfeu. O divino músico, cuja arte mantinha sob seu encanto o Príncipe das trevas, os animais, as árvores e os rios.
   Orfeu é uma aparição tardia no cenário grego apinhado de deuses e semideuses. Muito antes do século VI a.C. entrou na Grécia o culto de Dionísio-Baco, o “devastador” deus-bode da fertilidade e do vinho.
   O vazio espiritual tende a criar explosões emocionais; as bacantes de Eurípides, os frenéticos adoradores do chifrudo parecem prenunciar as agitações que ocorreram antes da Segunda Guerra Mundial e, e a partir da segunda metade do século passado, como o movimento hippie, o consumo crescente de drogas. Além disso, estamos vivendo um radicalismo com uma intolerância religiosa, que ignora os direitos humanos, que está influenciando uma parcela significativa da juventude contemporânia.
   Na Grécia antiga, o panteão olímpico começou a parecer um conjunto de figuras de cera. A adoração formalizada já não estava satisfazendo as necessidades religiosas dos gregos. Neste momento, com grande sensatez as autoridades gregas promoveram Baco-Dionísio ao Panteão oficial, ao nível de Apolo. Com isso, suavizaram-lhe o frenesi, regularam a sua adoração, e empregaram como inofensiva válvula de segurança. Assim, o pêndulo começou a mover indo do êxtase carnal ao sobrenatural. Até as palavras mudaram de sentido. Por exemplo, a palavra “orgia” deixa de significar devaneio báquico, passando a significar êxtase religioso que provocou a liberação da roda do renascimento.[1]
                            A Tragédia dos Pitagóricos
   No fim da vida do mestre Pitágoras, ou pouco depois da sua morte, ocorreram dois golpes que poderiam significar o fim da seita ou escola pitagórica não fosse o seu panorama tão universal.
   O primeiro golpe foi o descobrimento de um tipo de número que não cabia em nenhum dos

A raiz de dois é um número irracional.
diagramas de pontos. Esses números eram comuns e podem, por exemplo, ser representados pela diagonal de um quadrado qualquer.
   É fácil traçar a diagonal de um quadrado, mas não se pode exprimir o seu comprimento em números, isto é, não se pode contar o número de pontos contidos que forma a diagonal. Conclusão, a correspondência ponto a ponto entre geometria e aritmética está desfeita.
   Há indícios de que os membros da Irmandade Pitagórica mantiveram secreta a descoberta dos números irracionais – chamavam esses números de arrhetos, indizível – e que Hipasos, o discípulo que revelou esse segredo foi morto.
   Há outra versão, segundo a qual, os primeiros a revelarem a existência dos números irracionais morreram todos em um naufrágio, pois era necessário esconder o indizível e o sem forma. Os que descobriam aquela imagem de vida eram imediatamente destruídos, ficando para sempre expostos ao sabor das ondas eternas.
   O segundo golpe foi a dissolução da Irmandade Pitagórica. As causas da dissolução estão, provavelmente, relacionadas com os princípios igualitários, a emancipação das mulheres, a prática comunista da ordem, e a eterna heresia messiânica.
   A doutrina pitagórica era quase monoteísta. Os principais discípulos do mestre – entre eles Lisis e Filolao – que foram exilados, regressaram ao sul da Itália e reiniciaram suas atividades no ensino, pois os membros da Irmandade Pitagórica eram excelentes professores. Assim, a perseguição ficou limitada aos pitagóricos como corpo organizado. 
                                A Grandeza do Pitagóricos
   O sistema idealizado por Pitágoras possuía a flexibilidade e adaptabilidade dos verdadeiramente grandes sistemas ideológicos que exibem as forças regeneradoras similares às de um organismo vivo. A descrição matemática do mundo por meio de pontos foi prematura, mas numa curva mais elevada da espiral do conhecimento, as equações matemáticas se tornaram adequadas para a representação dos fenômenos que ocorrem na natureza.

Raios das órbitas dos elétrons
no átomo de hidrogênio de acordo 
com o modelo atômico de Bohr.

   Ninguém, antes de Pitágoras, imaginou que as relações matemáticas poderiam conter os segredos da natureza. Platão, Aristóteles, Euclides e Arquimedes são grandes marcos no longo caminho da nossa cultura, mas foi Pitágoras quem decidiu, lá no ponto de partida, a direção a ser seguida.
   A “magia” dos números continua a influenciar o pensamento científico mais de dois mil anos depois. Por exemplo, no modelo de Bohr para o átomo de hidrogênio, onde os raios das possíveis órbitas circulares dos elétrons, em torno do núcleo, aumentam com o quadrado de números inteiros de acordo com a fórmula indicada na figura. Nesta fórmula Rn representa o raio da n-ésima órbita e RB representa o chamado raio de Bohr para o átomo de hidrogênio.


[1] Arthur Koestler, Os Sonâmbulos, IBRASA – Instituição Brasileira de Difusão Cultural S. A. São Paulo (1961).

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