Assim Disse o Mestre Era a Lei
Pitágoras
nasceu nas primeiras décadas do grandioso século VI a.C. e viveu pelo menos
oitenta anos e, possivelmente, noventa. Não é possível afirmar se todos os
detalhes da visão pitagórica
do universo são realmente do mestre ou se há
contribuições de alguns dos seus discípulos. Mas não há dúvida, os detalhes
fundamentais foram concebidos por um único espírito.
Pitágoras nasceu nas
primeiras décadas do século VI a.C.
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Pitágoras de
Samos foi tanto o fundador de uma nova filosofia religiosa, como o fundador da
Ciência no sentido atual da palavra. Como fizeram inúmeros cidadãos cultos das
ilhas gregas, Pitágoras provavelmente viajou pela Ásia Menor e pelo Egito.
Diz-se que ele foi incumbido de missões diplomáticas por Polícrates, o
empreendedor autocrata de Samos. O tirano esclarecido, Polícrates, favorecia a
pirataria, o comércio, as obras de engenharia e as artes; o grande engenheiro
Eupalinos de Megara e o grande poeta da época, Anacreonte, viveram em sua
corte.
Há indícios
indicando que o pai de Pitágoras era ourives e gravador de pedras. Pitágoras
parece ter sido discípulo de Anaximandro, o ateu, e de Ferécides, o místico,
que ensinava a transmigração das almas.
Harmonia
das Esferas
Por volta de 530 a.C., Pitágoras emigrou
para Cróton que era a maior cidade, depois de Síbaris, no sul da Itália. A
irmandade que fundou, ao chegar, tomou conta da cidade, certamente a reputação
do mestre chegou antes. Por algum tempo, a Irmandade dos pitagóricos manteve a
supremacia sobre considerável parte da Magna Grécia.
Lei das cordas de
Pitágoras.
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O poder
secular foi breve, mas enquanto durou, a palavra do mestre era a lei. No fim da
sua vida, Pitágoras foi banido de Cróton para o Metaponto e seus obedientes discípulos
foram exilados ou mortos. As casas onde costumavam reunir-se foram queimadas.
Mas, a cosmovisão pitagórica foi duradora, e ainda influencia o pensamento e o
vocabulário. Ambos os vocábulos, harmonia, no seu sentido mais lato, e filosofia
são de origem pitagórica.
Ao chamar
números de figura (ou casas) decimais, estamos usando uma gíria da Irmandade
pitagórica. A essência da visão dessa Irmandade é o seu caráter unificador
englobando tudo em uma síntese inspirada e luminosa; une matemática e música, religião
e ciência, medicina e cosmologia, corpo, espírito e mente.
A descoberta
de Pitágoras de que a altura (frequência) do som depende do comprimento da
corda, que o produz, foi a primeira e feliz redução da qualidade a quantidade.
Todas as Coisas
São Números
O universo de Pitágoras contém
um dos mais poderosos tônicos jamais ministrados ao cérebro
humano. No doutrina
pitagórica, a filosofia é a mais elevada das músicas, e a forma mais elevada de
filosofia diz respeito aos números e, em última análise, todas as coisas são
números. Os membros da Irmandade pitagórica consideravam os números como
configurações de pontos formando figuras, tais como nas faces de um dado. Todas as coisas são formas, todas as coisas têm
forma, e todas as formas são definidas por números.
Primeira figura: número
quadrado. Segunda figura:
número triangular. Terceira figura: número oblongo.
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Entre as
formas numéricas existem inesperadas relações. Por exemplo, a série dos números
quadrados perfeitos pode ser obtida pela adição de sucessivos números ímpares:
[1] + 3=[4] + 5=[9] + 7=[16] + 9=[25] + 11=[36] + 13=[49] + 15=[64] + ...
E a forma numérica (figura) resultante é:
A adição de sucessivos números
pares forma os “números oblongos”, onde as razões entre os lados formam
exatamente os intervalos concordantes da escala musical:
2 (2:1, oitava) + 4 = 6 (3:2, quinta) + 6 = 12 (4:3, quarta).
De maneira análoga se obtinham os números “cúbicos” e
os “piramidais”.
Como o pai de
Pitágoras era gravador de pedras e ourives, as formas dos cristais devem ter
sido familiar na mocidade do Mestre. Há cristais cuja forma imita as formas numéricas puras; o quartzo imita a pirâmide e a dupla pirâmide, a
granada o dodecaedro, o berílio, o hexágono. Tudo parecia mostrar que a
realidade poderia ser reduzida a séries numéricas e razões numéricas,
descobri-las era tarefa do Filosofo, amigo da Sabedoria.
Um exemplo da
magia dos números é o teorema de Pitágoras sobre o triângulo retângulo, cuja
forma lembra o pico visível de uma montanha de gelo submersa.
Triângulo retângulo. |
Música das Esferas
Para o poeta Homero, o mundo
era como uma ostra, um disco flutuante rodeado pelo Oceano. No universo de
Anaximandro, o disco terrestre já não flutua sobre a água, permanece no centro,
suportado por nada e rodeado de ar. No universo de Pitágoras, a terra se
transforma em uma
esfera e, em torno dela, o sol, a lua e os outros planetas
(estrelas errantes) giram em círculos concêntricos, cada um preso em uma roda
ou esfera.
De acordo com os
pitagóricos, a movimentação
de cada planeta provoca um sussurro musical.
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A rápida movimentação de cada corpo celeste
provoca um silvo, ou sussurro musical. Cada planeta provocará um tom diverso,
dependendo da razão da respectiva órbita, assim como o tom de uma corda depende
do seu comprimento. As órbitas em que os planetas se movem formam uma espécie
de lira cósmica cujas cordas formam círculos. Parecia evidente que os intervalos
entre as cordas orbitais eram governados pelas leis da harmonia.
Conta-se que
Pitágoras achava que o intervalo musical entre a Terra e a órbita da Lua era de
um tom; entre as órbitas da Lua e de Mercúrio havia um semitom; de Mercúrio a
Vênus, um semitom; de Saturno à esfera das estrelas fixas; uma terça menor. A
“Escala Pitagórica” resultante é: dó, ré, mib, sol, lá,
sib, si, ré. Obviamente, há variações
nas descrições da escala mencionadas por diferentes escritores.
Ciência e Religião
O universo
concebido por Pitágoras assemelha-se a uma caixa de música cósmica a repetir o
mesmo prelúdio de uma eternidade à outra. As crenças religiosas da Irmandade
Pitagórica estão relacionadas ao vulto de Orfeu. O divino músico, cuja arte
mantinha sob seu encanto o Príncipe das trevas, os animais, as árvores e os
rios.
Orfeu é uma
aparição tardia no cenário grego apinhado de deuses e semideuses. Muito antes
do século VI a.C. entrou na Grécia o culto de Dionísio-Baco, o “devastador”
deus-bode da fertilidade e do vinho.
O vazio
espiritual tende a criar explosões emocionais; as bacantes de Eurípides, os
frenéticos adoradores do chifrudo parecem prenunciar as agitações que ocorreram
antes da Segunda Guerra Mundial e, e a partir da segunda metade do século
passado, como o movimento hippie, o consumo crescente de drogas. Além disso,
estamos vivendo um radicalismo com uma intolerância religiosa, que ignora os
direitos humanos, que está influenciando uma parcela significativa da juventude contemporânia.
Na Grécia
antiga, o panteão olímpico começou a parecer um conjunto de figuras de cera. A
adoração formalizada já não estava satisfazendo as necessidades religiosas dos
gregos. Neste momento, com grande sensatez as autoridades gregas promoveram
Baco-Dionísio ao Panteão oficial, ao nível de Apolo. Com isso, suavizaram-lhe o
frenesi, regularam a sua adoração, e empregaram como inofensiva válvula de
segurança. Assim, o pêndulo começou a mover indo do êxtase carnal ao
sobrenatural. Até as palavras mudaram de sentido. Por exemplo, a palavra
“orgia” deixa de significar devaneio báquico, passando a significar êxtase
religioso que provocou a liberação da roda do renascimento.[1]
A Tragédia dos
Pitagóricos
No fim da vida
do mestre Pitágoras, ou pouco depois da sua morte, ocorreram dois golpes que
poderiam significar o fim da seita ou escola pitagórica não fosse o seu
panorama tão universal.
O primeiro golpe foi o descobrimento de
um tipo de número que não cabia em nenhum dos
diagramas de pontos. Esses
números eram comuns e podem, por exemplo, ser representados pela diagonal de um
quadrado qualquer.
A raiz de
dois é um número irracional.
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É fácil traçar a diagonal de um
quadrado, mas não se pode exprimir o seu comprimento em números, isto é, não se
pode contar o número de pontos contidos que forma a diagonal. Conclusão, a
correspondência ponto a ponto entre geometria e aritmética está desfeita.
Há indícios
de que os membros da Irmandade Pitagórica mantiveram secreta a descoberta dos
números irracionais – chamavam esses números de arrhetos, indizível – e que Hipasos, o discípulo que revelou esse
segredo foi morto.
Há outra
versão, segundo a qual, os primeiros a revelarem a existência dos números
irracionais morreram todos em um naufrágio, pois era necessário esconder o
indizível e o sem forma. Os que descobriam aquela imagem de vida eram
imediatamente destruídos, ficando para sempre expostos ao sabor das ondas
eternas.
O segundo golpe foi a dissolução da
Irmandade Pitagórica. As causas da dissolução estão, provavelmente,
relacionadas com os princípios igualitários, a emancipação das mulheres, a
prática comunista da ordem, e a eterna heresia messiânica.
A doutrina pitagórica era quase
monoteísta. Os principais discípulos do mestre – entre eles Lisis e Filolao –
que foram exilados, regressaram ao sul da Itália e reiniciaram suas atividades
no ensino, pois os membros da Irmandade Pitagórica eram excelentes professores.
Assim, a perseguição ficou limitada aos pitagóricos como corpo organizado.
A Grandeza do Pitagóricos
O sistema
idealizado por Pitágoras possuía a flexibilidade e adaptabilidade dos
verdadeiramente grandes sistemas ideológicos que exibem as forças regeneradoras
similares às de um organismo vivo. A descrição matemática do mundo por meio de
pontos foi prematura, mas numa curva mais elevada da espiral do conhecimento,
as equações matemáticas se tornaram adequadas para a representação dos
fenômenos que ocorrem na natureza.
Raios das órbitas dos elétrons
no átomo de hidrogênio de acordo
com o modelo atômico de Bohr.
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Ninguém,
antes de Pitágoras, imaginou que as relações matemáticas poderiam conter os segredos
da natureza. Platão, Aristóteles, Euclides e Arquimedes são grandes marcos no
longo caminho da nossa cultura, mas foi Pitágoras quem decidiu, lá no ponto de
partida, a direção a ser seguida.
A “magia” dos
números continua a influenciar o pensamento científico mais de dois mil anos
depois. Por exemplo, no modelo de Bohr para o átomo de hidrogênio, onde os
raios das possíveis órbitas circulares dos elétrons, em torno do núcleo,
aumentam com o quadrado de números inteiros de acordo com a fórmula indicada na
figura. Nesta fórmula Rn representa o raio da n-ésima órbita e RB
representa o chamado raio de Bohr para o átomo de hidrogênio.
[1] Arthur Koestler, Os Sonâmbulos, IBRASA –
Instituição Brasileira de Difusão Cultural S. A. São Paulo (1961).
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